terça-feira, setembro 01, 2009

Tempo de voo

Sentou-se à janela, bem na fileira atrás das asas do avião.
Sabia que o voo de 9 horas, mais os preparativos, esperas e atrasos de sempre, além das intermináveis filas para cada novo passo dado, mesmo após a chegada, na verdade consumiria meio dia da sua vida.
Lamentou ter tomado uma cerveja no bar do aeroporto, após uma fila imensa para ser atendido... Agora, aqueles 350 mililitros da garrafa da cerveja já, já, o levariam para a provável fila do banheiro no avião...
Começou a contar os meio-dias metido nas fuselagens de aviões mundo afora, naquele interminável vai e vem quinzenal, e fez uma breve contabilidade do tempo...
Ah, o tempo!
Se ele o tivesse, em família, ao invés daqueles longos silêncios ruidosos das horas de voo feitas na vida!
Talvez ai a filha de 19 anos não estivesse grávida num relacionamento apenas 2 meses depois de começado; ou o filho de 17 anos pudesse ter aprendido algo mais que as regras do futebol, única e doentia paixão.
Única, acima de tudo: depois de 10 minutos (ah, o tempo) de conversa com o filho, sentia saudade do ruído ritmado das turbinas em voo.
Ainda mais ele, que nem torcia para time algum...!
Talvez (e ai deixou o pensamento pendurado na eternidade de alguns segundos), o casamento dele ainda existiria.
Mas logo se perdeu na distração do movimento do avião, desgarrando-se de suas amarras do burburinho do mundo, dos aeroportos.
Via agora pela janela as luzes coloridas das pistas de táxi, enquanto nas asas estendiam-se os ‘flaps’, harmoniosos numa estranha dança mecânica.
Sabia até, pelo movimento dos ‘flaps’, o que esperar da decolagem ou pouso.
Encaixava, compulsivamente, nas frestas entre os alongamentos das asas, linhas quaisquer: luzes, pista, estradas, loteamentos, cercas... e ficava a considerar os movimentos do avião em relação aos pontos encaixados, até que o sono o alcançasse, nas decolagens.
Chegara até a dispensar um convite amigável de uma aeromoça, para se transferir, após a decolagem, para a classe executiva (luxo que empresa não lhe concedia), num voo vazio que fizera: gostava de dormir e despertar com os ruídos de ‘flaps’ e seus motores sicronizados no esforço de vencer o vento. Exatamente ali onde em geral começava a classe econômica dos voos que fazia, anos a fio.
Dispensava jantares e cafés matinais, e raramente cometia aquele abuso de uma cerveja antes do voo... o máximo era uma garrafinha de água, como “jantar”, antes de pegar no sono fácil a que se acostumara nos voos.
Talvez fôra mesmo aquela cerveja: com 3 horas e meia de voo, a maioria dos passageiros já dormindo, alguns insones assistindo seus filmes, acordou, apertado para ir ao banheiro. Sonolento, olhou aliviado para a luz verde no final do corredor que indicava que o banheiro estava livre.
Cambaleando entre as cadeiras, teve tempo de apenas ver um clarão, cujo ruído ele sequer chegaria a ouvir.
Talvez, num dia seguinte, em algum lugar, algum voo não chegaria ao seu destino, e muitos destinos deixariam de ter talvez.
Nem tempo.

(Claudiano 14/08/2009)

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